domingo, maio 02, 2004
O Recreio
Quando a Nelinha roubava os caramelos aos meninos no pátio lá da Escola Primária, perante a complacência da D. Ricardina, lontra alarve coroada com uma rodilha de cabelo grisalho e oleoso, que, sinceramente, ao Zeca sempre pareceu uma enorme poia, não de Grand Danois, que isso era coisa que ele nem conhecia, mas, seguramente, de rafeiro alentejano, igual aquele que o sô' João tinha lá na oficina, quando a Nelinha roubava os caramelos, dizíamos, o Toninho indignava-se. Indignava-se, não pelo roubo em si, nem pelo facto de os restantes meninos ficarem sem os caramelos que eram seus de direito. Não! Aquilo que chateava o Toninho à brava, a ponto de o fazer chegar a casa e virar o crucifixo que tinha por cima da cama, remexer as estampas com imagens de santinhos da sua avó deixando-as em total balbúrdia ou, em casos mais raros, resmungar palavrões no meio do terço, era de vez em quando ouvir a Nelinha, em pleno acto criminoso a dizer aos meninos mais pequenos:
"Deus te defenda que o Toninho algum dia chegue a mandar no recreio, Deus te defenda!"
Não havia nada que o chateasse mais que aquela invocação do nome dele em vão (do Toninho, bem entendido, que de Deus já estava ele bem farto!)...
"Deus te defenda que o Toninho algum dia chegue a mandar no recreio, Deus te defenda!"
Não havia nada que o chateasse mais que aquela invocação do nome dele em vão (do Toninho, bem entendido, que de Deus já estava ele bem farto!)...