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domingo, abril 11, 2004

Colectânea 

“Sempre que estive prestes a levantar vôo agarraram-me as asas.”

“Aqui estou, novamente. Outro quarto, outra ala, já poucas me falta conhecer. Escolhi a vida que levo, que outra vida poderia querer quem sempre sonhou ser saltimbanco, jogral de filosofias, actor de palco pela vida fora? Tenho duas casas. A minha casa é verdade. Sobre a outra, a casa do mundo, sinto-me pairando, nunca ficando. E no entanto sei que a minha casa não é minha, só tudo o resto me pertence. O resto onde sinto que não fico.

Na minha casa estás tu. A minha casa é nossa. Mas a nossa casa não é nossa. Só o resto. Por isso pairo sobre esta cama, frente a esta janela com vista para uma janela com vista para esta janela. Porque à janela tu não estás e a cama não tem nem terá o teu cheiro e na ausência do teu cheiro se esvai a realidade destes lençóis. E no entanto dormirei. Ou pairarei sobre o sono, noutra noite sem a cadência do teu coração.

E a possibilidade da vida pairante é sorridente e leve, assim como as memórias que guardo dela. Simpáticas, posso dizê-lo. E sabê-las presentes dentro de mim é tudo aquilo de que este tronco precisa para saber que pode aguentar o risco de contigo querer partilhar raízes e solo.

Pairarei sobre o sono. Sem a cadência do teu coração.”

“Eu já nem consigo dizer que é preocupante a incapacidade que o ser humano tem de aprender com a história, que é desesperante a incapacidade que cada um de nós tem de olhar para dentro para daí poder olhar para fora com menos preconceito, começo a sentir-me a Dori, do Finding Nemo: se não tivesse memória do que tenho visto neste mundo talvez houvesse desculpa para continuar a repetir ad infinitum algo que ao longo dos séculos tem sido pregado por mentes bem mais clarividentes que a minha. Mas é também a memória do que tenho visto neste mundo que me devolve esperança de que, por um estranho capricho da natureza, ao comer o peixe haja quem incorpore o sermão. E com a esperança regressa a preocupação. E fecha-se o círculo. Por isso acabo por regressar sempre a estes temas, por isso continuo convicto de que a política - o serviço à "polis", à "cidade", e a cidade é feita de gente - ainda faz sentido. Que a democracia e a liberdade terão sempre neste campo a batalha final, embora apenas algumas das que a precedem.”

“Quer queiram quer não, senhores, tudo se resume ao seguinte:
1. ninguém tem certezas quanto ao início da vida e do que se convencionou chamar de "pessoa humana";
2. a despenalização não se pretende estendida para lá de uma certeza: a da existência de um sistema nervoso central já formado, entre as 12 e as 24 semanas;
3. todos os pontos de partida para a avaliação do que é um aborto se baseiam apenas e só em conceitos morais-filosóficos-ideológicos-éticos-pessoais, cada um tão válido como o outro, e em nada mais;
4. é uma questão de integridade física e de consciência da mulher - eventualmente do homem, mas esse tem escolha e muitas vezes escolhe não ter nada a ver com o assunto sem que ninguém o obrigue a carregar uma gravidez de nove meses no seu próprio corpo, não é verdade? -, de cada mulher individualmente, é uma decisão pessoal, é um direito inalienável e não é com base em princípios subjectivos e absolutamente contraditórios que um determinado grupo, por muito convicto que esteja da superioridade moral dos seus cânones, deve poder determinar o que é legal ou não no que toca à esfera íntima de cada um.
E se acham que isto, que não é mais do que escreve o Rui no seu post, é leviandade ou arrogância ideológica, então, caros senhores, permitam-me dizer que o conceito de democracia já conheceu, realmente, melhores dias.”

“Ando à beira de rebentar com esta questão do aborto. Começa a tornar-se intolerável admitir que um grupo político-moral-ideológico-religioso ou mesmo apenas conscientemente exercendo o seu direito ao livre pensamento consiga impor a sua vontade, do meio do novelo das suas próprias convicções e contradições, e sentir-se no direito de agredir a liberdade individual e física das mulheres deste país. Mas as mulheres já não são único e suficiente alvo, pois que uma vez perdidas... sim senhores, de pequenino se torce o destino, já diz o Sérgio, e deixemos agora ir a vós as criancinhas - para que comecem desde já a perder a sanidade mental.”

“Um espectáculo que termina é uma vida que acaba e se renova. É um alívio angustioso. É uma satisfação triste.(...) Terei muitas saudades dos desvarios cénicos dos lunáticos génios da matemática e dos privados desvarios de cada uma daquelas vozes e daquelas almas que encheram fatos de espuma e personagens. Do meu querido companheiro de cena e contracena, sempre tão atento, sempre tão generoso, sempre tão inspirador nas trocas e reconfortante nas energias. Dos senhores-músicos-instrumentistas que nos afagaram o soalho limpo e regular onde deslizaram os pés destes tangos. Do jardineiro-do-roseiral, que tanto tempo dedicou a cada um de nós e dos gritos de dor colectiva nascidos dos exercícios que nos fortaleceram corpo e espírito a cada passo.”

“A TSF está a passar Polo Norte!!!

Pronto, agora acabaram de vez com as minhas esperanças de que a decadência de inocência mascarada tivesse limites. Se a seguir vier o dueto do JPP com a desinFelix já nem sequer me vou chocar...”

“Psicanálise colectiva compulsória, já que, pelos vistos, não é possível demonstrar-lhes - até porque ninguém os trata assim - que são apenas 22 gajos de calções a correr atrás de uma bola? Uma espada Hatori Hanzo? Um chaimite a invadir o estádio? Acabar, por decreto, com um desporto que cada vez mais envergonha este país - quase mais que quem nos governa?

Se calhar o melhor mesmo é emigrar, de uma vez por todas. O que acabo de ver na televisão é deprimente, é bárbaro, é ofensivo, é assustador, é vergonhoso.

É Portugal. É futebol. Quase inevitavelmente, é lixo, merda, desumanidade. Eu tenho vergonha.”

“A greve aos salmonetes convocada pelo MOCHAT teve uma adesão absolutamente incipiente, donde se conclui que os dirigentes da dita organização já não podem viver sem a Truta.

Disse.”

“(...) abrir um precedente destes nesta cidade e neste país pode ser o suficiente para daqui a uns anitos, ao invés de se conseguir ver o rio de praticamente todos os miradouros de Lisboa, apenas se ver uma sucessão de imponentes "escarros", numa e noutra margem.”

E isto é apenas o reunir de alguns exemplos de 2004, sem incluir aqui a magnífica série “Névoa”...
Dito e feito, Manel...

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