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terça-feira, março 09, 2004

O Sôr Prior 

O sôr prior andava aborrecido, a vida corria-lhe mansa, mas desprovida de brilhantismo. Já há muito tempo que não via o altar do lado da Epístola decorado com margaridas e umas ramagens de fetos, como ele tanto gostava. Já há muito tempo que Fátima lhe mandava para a celebração uma outra marca de vinho, com um sabor não tão frutado quanto o anterior. Já há muito tempo que não via mais de 10 criancinhas na catequese aos Sábados. E já há muito tempo que não via a D. Maria a prestar o seu serviço de limpeza à sua casinha, bem como à sua caminha devidamente encimada pelo crucifixo de pau-santo que o bispo lhe tinha oferecido no dia da sua ordenação, como recompensa pelos seus serviços dedicados à congregação ao longo dos anos. Era, realmente, uma vidinha triste!
O sôr prior gostava de se passear pela vila, com as suas calças de fazenda cinzenta, a camisa com risquinhas azuis, os óculos meio de banda, olhando para os pecadores com quem se cruzava, tentando adivinhar quão profundas seriam as culpas daqueles olhos que nervosamente se desviavam dos seus.
Um dia, cruzou-se com uma jovem mulher, com um ar displicente, viu nela um reservatório de pecados e decidiu que ia ali começar a sua cruzada pessoal na luta contra o deboche deste mundo! Ao entabular uma conversa, apercebeu-se que lhe tinha calhado a sorte grande e a terminação! Ali estava mais uma dessas activistas pró-assassínio em massa de criancinhas inocentes ainda antes de verem a luz gloriosa do mundo que o Senhor tinha tão amavelmente criado para todos nós, ingratos seres criados à sua imagem! E viu que, para além dela, muitas outras existiam, que pensavam da mesma forma, a mente poluída de informação radical, pecadora, sangrenta, algumas até falavam em revoluções (termo que o sôr prior só admitia quando pensava nas sardinhas em molho de escabeche da D. Maria, que eram tão saborosas que lhe punham o estômago em constante revolução)!
Viu, imediatamente, a Luz! Era ali que residia a sua missão na Terra! Limpar o Reino de Deus destes ímpios assassinos cruéis! Para melhor lutar contra o infiel, percebeu que teria de utilizar métodos mais modernos que o tradicional sermão domingueiro. E foi por isso que organizou uma associação. Para melhor fazer passar a palavra, pediu ao Jorge, sobrinho da D. Maria, um belo rapaz, um latagão que passava os seus dias em frente ao computador (ele próprio já o tinha castigado uma vez, quando o apanhou a ver imagens de meretrizes disfarçadas de freiras), que lhe fizesse um folhetozinho para distribuir pelas escolas, para que as crianças fossem salvas deste caminho de perdição que lhes parecia destinado.
O Jorge lá foi procurar na Internet umas imagenzinhas coloridas, que ficassem bonitas no folheto, ainda encontrou algumas informações que o sôr prior muito encarecidamente agradeceu, com um terço em plástico e 100 escudinhos tirados da caixa de venda das velas (nunca se haveria de habituar a isto do dinheiro novo...) para beber um Sumol. (Afinal, apenas uma versão politicamente correcta da célebre "Lei de Monteiro", preconizada por esse pensador contemporâeo que foi João César Monteiro - "Toma lá 100 escudos, mas não gastes tudo em freiras!")
Ao distribuir o seu folheto, o sôr prior ficou chocado com as reacções que recebeu. Afinal, estes pecadores andavam mais organizados do que ele pensava!!! Decidiu então dizer que a Igreja o apoiava, ainda para mais o coordenador da Pastoral da Saúde! Afinal, ele sabia que a Igreja nunca o poderia deixar de apoiar em causa tão nobre, tão justa, tão cheia de amor cristão pela vida!

O único problema é que as imagens que o Jorge encontrou na Internet eram falsas e o coordenador da Pastoral da Saúde veio a público desmentir o seu apoio à campanha, classificando estes panfletos como "um erro gravíssimo"...

Coitado do sôr prior, tão incompreendido neste mundo de ímpios pecadores...

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